quinta-feira, 21 de julho de 2011

DESMAME: FATOS E MITOS

O homem é o único mamífero em que o desmame (aqui definido como a
cessação do aleitamento materno) não é primariamente determinado por
fatores genéticos e instinto, sendo fortemente influenciado por
fatores socioculturais. Hoje, ao contrário do que ocorreu por pelo
menos dois milhões de anos, ao longo da evolução da espécie humana, a
mulher opta (ou não) pela amamentação e, influenciada por múltiplos
fatores, decide por quanto tempo vai (ou pode) amamentar. Muitas
vezes, as preferências culturais (não amamentação, introdução precoce
de outros alimentos na dieta da criança, amamentação de curta duração)
entram em conflito com a expectativa da espécie.

Algumas consequências dessa divergência já puderam ser observadas,
como desnutrição e alta mortalidade infantil, sobretudo em áreas menos
desenvolvidas. Porém, as consequências em longo prazo ainda não são
totalmente conhecidas, já que transformações genéticas não ocorrem com
a rapidez com que podem ocorrer mudanças de hábitos. Começam a ser
mostradas evidências de que o não amamentar segundo as expectativas da
espécie pode ter repercussões negativas ao longo da vida dos
indivíduos. Assim, a não amamentação ou amamentação sub ótima podem
favorecer o aparecimento de doenças alérgicas, diversas doenças do
sistema imunológico, alguns tipos de cânceres, obesidade, diabete e
doenças cardiovasculares, além de interferir negativamente no
desenvolvimento orofacial. Provavelmente, com o aparecimento de
novas pesquisas nessa área, outros males serão relacionados com os
hábitos "modernos" de alimentação infantil, mas alguns aspectos
dificilmente podem ser quantificados, especialmente os relacionados
com a psique humana.
Atualmente, em especial nas sociedades ocidentais, a amamentação é
vista primordialmente como uma forma de alimentar a criança, sob o
controle total dos adultos. Assim, perdeu-se a percepção da
amamentação como um processo mais amplo, complexo, envolvendo
intimamente duas pessoas e com repercussão na saúde física e no
desenvolvimento cognitivo e emocional da criança, além de repercussões
para a saúde física e psíquica da mãe. Hoje, em muitas culturas
"modernas", a amamentação prolongada (cujo conceito varia de acordo
com a "convenção" da época e do local) frequentemente é vista como um
distúrbio interrelacional entre mãe e bebê.
Perdeu-se a noção de que o desmame não é um evento e sim um processo,
que faz parte da evolução da mulher como mãe e do desenvolvimento da
criança, assim como sentar, andar, correr, falar. Nesta lógica, assim
como nenhuma criança começa a andar antes de estar pronta, nenhuma
criança deveria ser desmamada antes de atingir a maturidade para tal.
Em harmonia com esta linha de pensamento, Dr. William Sears, um antigo
pediatra, recomendava: "Não limite a duração da amamentação a um
período pré-determinado. Siga os sinais do bebê. A vida é uma série
de desmames, do útero, do seio, de casa para a escola, da escola para
o trabalho. Quando uma criança é forçada a entrar em um estágio antes
de estar pronta, corre o risco de afetar o seu desenvolvimento
emocional". Essas palavras sábias podem ter pouco respaldo em
sociedades individualistas, que tendem a acelerar o processo de
independização do ser humano, substituindo o seio por métodos de
autoconsolo como chupetas, paninhos, mantinhas, ursinhos, etc.

Segundo diversas teorias, o período natural de amamentação para a
espécie humana seria de 2,5 a sete anos. Atualmente, a Organização
Mundial da Saúde recomenda aleitamento materno por dois anos ou mais,
sendo exclusivo nos primeiros seis meses. Apesar dessa recomendação,
poucas mulheres no Brasil amamentam por mais de dois anos. As razões
para a não amamentação prolongada variam desde dificuldade em
conciliar a amamentação com outras atividades, até crença de que
aleitamento materno além do primeiro ano é danoso para a criança sob o
ponto-de-vista psicológico. Uma parcela de mães, apesar de demonstrar
desejo em continuar a amamentação, sente-se pressionada a desmamar por
profissionais de saúde, seus maridos, parentes, vizinhos e amigos.
Para a manutenção do paradigma que sustenta a afirmação de que
amamentação prolongada não é natural, foi necessário criar vários
mitos, tais como o de que uma criança jamais desmama por si própria,
que a amamentação prolongada é um sinal de problema sexual ou
necessidade materna e não da criança e que a criança que mama fica
muito dependente. Algumas mães, de fato, desmamam para promover a
independência da criança. No entanto, é importante lembrar que o
desmame provavelmente não vai mudar a personalidade da criança. Além
disso, o desmame forçado pode gerar insegurança na criança, o que
dificulta o processo de independização.
O desmame pode ser agrupado em quatro categorias básicas: abrupto,
planejado ou gradual, parcial e natural. Sob a ótica de que o desmame
é um processo de desenvolvimento da criança, parece razoável afirmar
que o ideal seria que ele ocorresse naturalmente, na medida em que a
criança vai adquirindo competências para tal. No desmame natural a
criança se autodesmama, o que pode ocorrer em diferentes idades, em
média entre dois e quatro anos e raramente antes de um ano. Costuma
ser gradual, mas às vezes pode ser súbito, como por exemplo, em uma
nova gravidez da mãe (a criança pode estranhar o gosto do leite, que
se altera, e o volume, que diminui). A mãe também participa ativamente
no processo, sugerindo passos quando a criança estiver pronta para
aceitá-los e impondo limites adequados à idade.
O Quadro 1 apresenta os sinais indicativos de que criança pode estar
pronta para iniciar o desmame. É importante que a mãe não confunda o
autodesmame natural com a chamada "greve de amamentação" do bebê.
Esta ocorre principalmente em crianças menores de um ano, é de início
súbito e inesperado, a criança parece insatisfeita e em geral é
possível identificar uma causa: doença, dentição, diminuição do volume
ou sabor do leite, estresse e excesso de mamadeira ou chupeta. Essa
condição usualmente não dura mais que 2-4 dias.
Quadro 1 - Sinais sugestivos de que a criança está madura para o
desmame mãe e bebê.
*Idade maior que um ano.
*Menos interesse nas mamadas.
*Aceita variedade de outros alimentos.
*É segura na sua relação com a mãe.
*Aceita outras formas de consolo.
*Aceita não ser amamentada em certas ocasiões e locais.
*Às vezes dorme sem mamar no peito.
*Mostra pouca ansiedade quando encorajada a não amamentar.
*Às vezes prefere brincar ou fazer outra atividade com a mãe ao invés de mamar.

Algumas vantagens do desmame natural encontram-se no Quadro 2.
O desmame abrupto é desencorajado, pois se a criança não está pronta, ela pode
se sentir rejeitada pela mãe, gerando insegurança e muitas vezes rebeldia. Na
mãe, o desmame abrupto pode precipitar ingurgitamento mamário,
bloqueio de ducto lactífero e mastite, além de tristeza ou depressão,
por luto pela perda da amamentação ou por mudanças hormonais.

Muitas vezes a mulher se depara com a situação de querer ou ter que
desmamar antes de a criança estar pronta. Nesses casos, o profissional
de saúde, em especial o pediatra, deve respeitar o desejo da mãe e
ajudá-la nesse processo.

Quadro 2 - Vantagens do desmame natural
*Transição tranquila, menos estressante para a mãe e a criança.
*Preenche as necessidades da criança até elas estarem maduras para o desmame.
*Fortalece a relação mãe-filho.
*Ajuda a mãe a ser menos ansiosa com  relação aos estágios de desenvolvimento de seu filho.

O Quadro 3 apresenta os fatores que facilitam o encorajamento do bebê
para o desmame.
A técnica utilizada para fazer a criança desmamar varia de acordo com
a idade da mesma. Se a criança for maior, o desmame pode ser planejado
com ela. Pode-se propor uma data, oferecer uma recompensa e até mesmo
uma festa. A mãe pode começar não oferecendo o seio, mas também não
recusando. Pode também encurtar as mamadas e adiá-las. Mamadas podem
ser suprimidas distraindo a criança com brincadeiras, chamando
amiguinhos, entretendo a criança com algo que lhe prenda a atenção. A
participação do pai no processo, sempre que possível, é importante.

Quadro 3 - Encorajando o bebê a desmamar: facilitadores
*Mãe segura de que quer (ou deve) desmamar.
*Entendimento da mãe de que o processo pode ser lento e demandar
energia, tanto maior quanto menos pronta estiver a criança.
*Flexibilidade, pois o curso é imprevisível.
*Paciência (dar tempo à criança) e compreensão.
*Suporte e atenção adicionais à criança ¿ mãe não deve se afastar
neste período.
*Ausência de outras mudanças ocorrendo, como, por exemplo, controle
dos esfíncteres.
*Sempre que possível, desmame gradual, retirando uma mamada do dia a
cada 1-2 semanas.

A mãe pode também evitar certas atitudes que estimulam a criança a
mamar, por exemplo, não sentar na poltrona em que costuma amamentar.
Algumas vezes, o desmame forçado gera tanta ansiedade na mãe e no
bebê, que é preferível adiar um pouco mais o processo, se possível. A
mãe pode, também, optar por restringir as mamadas a certos horários e
locais.
As mulheres devem estar preparadas para as mudanças físicas e
emocionais que o desmame pode desencadear, tais como: mudança de
tamanho das mamas, mudança de peso e sentimentos diversos, tais como
alívio, paz, tristeza, depressão, culpa e arrependimento. Já se
avançou muito na valorização do aleitamento materno nos últimos
tempos. A recomendação da duração da amamentação passou de 10 meses na
década de 30 para dois anos, ou mais, nos dias de hoje. Atualmente,
fala-se em desmame natural como a forma ideal de desmame, sem
especificar uma idade mínima ou máxima para que esse processo ocorra.
Apesar desse avanço, ainda estamos longe de encararmos o desmame como
um marco do desenvolvimento da criança. Para chegarmos a este estágio,
faz-se necessário entender e enfrentar as circunstâncias que, segundo
Souza e Almeida, "ultrapassam a natureza e desafiam a cultura e a
sociedade".
Fonte: Elsa Regina Justo Giugliani

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